Amor Por Correspondência!


Não é uma história de amor proibido, porém é uma história Real que aconteceu na década de oitenta, uma época em que computadores e telefones eram objetos totalmente desconhecidos para a maioria da população, principalmente, para quem morava num lugarejo distante da civilização. Entretanto, essa história se identifica com fatos que acontecem atualmente com algumas pessoas que se conhecem pela Internet, teclam por algum tempo e, acreditam ter encontrado um grande amor, a sua cara-metade. Porém, quando se encontram pessoalmente acabam descobrindo que sobrou só a metade, porque nem cara seu príncipe ou princesa tinham. Aliás, alguns têm sim, mas é uma tremenda cara-de-pau, porque copiam fotos de atores, atrizes, modelos fotográficos ou até mesmo de outros perfis privados para usar como sendo deles.

   Em mil novecentos e oitenta e três, num lugarejo perdido no meio do nada, morava Nina, uma garota romântica que adorava ler romance e vivia sonhando com o dia em que encontraria seu príncipe encantado e viveria o seu próprio conto de fada. Então um dia, numa das revistas que costumava ler, Nina viu um anúncio que lhe chamou atenção ( Rapaz de 23 anos, alto, físico atlético, cabelos pretos, olhos verdes e boa aparência, procura moça para futuro compromisso. Moças interessadas, por favor, enviar correspondência com fotos para  caixa postal...) Não havia endereço e a cidade onde ele dizia morar ficava, mais ou menos, uns duzentos quilômetros de distância de onde ela morava. A partir daquele momento, Nina passou a sonhar com aquele rapaz, imaginando-o um Deus Grego, trajando roupas esporte, dirigindo um belo carro e, em sua ingenuidade de adolescente, o fato de o anúncio ter surgido diante de seus olhos, a fez pensar que fosse coisa do destino e que realmente aquele era o seu príncipe encantado, o grande amor de sua vida. Então, ela escreveu uma carta, escolheu sua melhor foto e na primeira vez que foi á cidade vizinha, colocou a carta no correio.

   

Porém, passou um tempo sem que Nina recebesse resposta, mas quando menos esperava chegou primeira carta do rapaz. Ela ficou impressionadíssima com a carta bem escrita, em papel perfumado e caligrafia perfeita, o que demonstrava ter sido escrita por alguém com certo grau de estudo e com algum conhecimento de literatura, pois já na primeira carta havia uma romântica poesia no final da página. Além disso, o rapaz se mostrava encantado com a beleza de Nina, e se declarava apaixonado. Também prometia que na próxima carta enviaria uma fotografia dele, porém a essas alturas, Nina já estava apaixonada e nem se importava com o fato de não conhecê-lo nem por fotografia. E quando em uma das cartas ele pediu que ela mandasse outra foto junto com a resposta, ela escolheu outra de suas fotos e mandou.

   Continuaram se correspondendo por mais algum tempo, e as cartas dele se tornavam cada vez mais românticas, tanto que até as amigas de Nina, que eram meio céticas com este tipo de coisa, já estavam curiosas para conhecê-lo, pois, a julgar pelas cartas, quem conhecia a língua portuguesa e entendia um pouco de literatura, não tinha como duvidar  de que o rapaz possuísse  certo grau de estudo e de cultura. Lógico que Nina era uma moça romântica e sonhadora, mas não era nem uma garotinha ingênua, muito pelo contrário, era até bem levada para os padrões moralistas da localidade.

   Então um dia chegou a carta tão sonhada que Nina esperava desde o início. Era uma carta com declaração de amor, onde ele afirmava estar apaixonado e dizia ter chegado a hora de se conhecerem pessoalmente. Ele pedia que ela marcasse data e local para um encontro que ele viria se encontrar com ela. Ainda fez uma última justificativa, dizendo que não mandara foto porque preferia que ela  o visse pessoalmente. Nina estava exultante e nem ligou para isso. Escreveu a resposta, marcando encontro na cidade vizinha, porque era muito difícil explicar onde ficava o lugarejo e como chagar. A cidade vizinha ficava uns quinze quilômetros do lugarejo, porém para tomar o ônibus era preciso caminhar uma hora a pé. Mas o plano de Nina era se encontra com seu príncipe, depois levá-lo junto e hospedá-lo em sua casa. A essas alturas, todos no lugarejo já sabiam da história de amor por correspondência de Nina, e suas amigas estavam quase tão ansiosas quanto ela para conhecer o príncipe encantado.

   No dia marcado, Nina vestiu a mesma roupa que usava numa das fotos, jeans e blusa amarela. E sua melhor amiga que apoiava todas as suas loucuras, foi junto com ela ao encontro. Chegando a cidadezinha, as duas desembarcaram na rodoviária, local onde estava marcado o encontro, embora as garotas acreditassem que ele viesse de carro. Dentro do prédio da rodoviária havia um bar, onde os jovens costumavam se encontrar nos finais de semana. E no bar estava um amigo das garotas tomando cerveja em companhia de colegas, porém elas não entraram no bar e resolveram dar uma volta, pois não havia sinal de ninguém diferente por ali.
   Exceto uma  coisa estranha que estava encostado na parede. Devia ter por volta de trinta e cindo anos, era baixinho, gordinho e barrigudinho. Os cabelos eram tão sujos e engraxados que chegava a reluzir a luz do sol de final de tarde. O rosto era marcado por cicatrizes estranhas, tão bizarras que era impossível descobrir o que causara marcas tão horríveis que chegava a ser repugnante. Para completar a visão assustadora, o coitado usava uma jaqueta de camurça marrom  com o zíper fechado até o pescoço, embora fosse uma tarde quente do mês de Novembro, um jeans que parecia ter encolhido e veio parar no meio da canela, deixando a mostra as meias vermelho-escarlate. E o sapato marrom, então, devia ter sido roubado de um defunto no século anterior e guardado para ser usado só em ocasiões especiais, pois aquele tipo de bico fino era raridade. E para completar, não podia faltar o guarda-chuva  pendurado no braço... Enfim, quem encontrasse aquele sujeito á noite e próximo a um cemitério, sairia correndo e gritando que era assombração.
   Mas, embora o sujeito estranho tivesse chamado atenção, Nina ignorou a visão assustadora, e junto com sua amiga foi a uma loja que ficava no meio da quadra. No entanto, não se demoraram, porque estava quase na hora  do tão sonhado encontro, e a ansiedade àquela alturas já tomava conta das duas. Porém ao se aproximar novamente do prédio da rodoviária, elas notaram que o sujeito estranho se dirigia ao encontro delas.
‑ Isso só pode ser um engano – disseram juntas, horrorizadas.
  Porém conforme ele foi se aproximando, elas  foram forçadas a encarar o fato de que o Príncipe tinha virado Sapo, ou melhor, um Pigmeu Pré-Histórico.  Chocada com a visão assustadora, a amiga de Nina se mandou e foi se juntar aos amigos no bar. Enquanto Nina precisou ficar e encarar o monstrinho, mas ele era tão pequenino que nem chegava a ser assustador, só era repugnante olhar para ele. Corajosamente, ela permaneceu parada no mesmo lugar sem saber se chorava porque seu príncipe tinha se transformado naquilo ou se ria daquela situação ridícula em que se encontrava. Mas quando ele perguntou se ela era a Nina, a voz soou tão baixa e esquisita, perecia que falava dentro de uma garrafa. Isso foi o fim do sonho e virou a piada, tanto que Nina  precisou se esforçar para não cair na gargalhada diante dele. Mas se controlou, porque precisava primeiro se livrar do Pigmeu.
‑ Você é a Nina, a moça das cartas e das fotos? – repetiu ele, mostrando os envelopes.
‑ De que você está falando? – Nina se fez de boba, pois ainda não sabia como se livrar daquela situação bizarra.
‑ É você sim – insistiu ele, a voz fraca e hesitante, o que fez a mente de Nina começar a funcionar.
‑ Posso ver as cartas? – pediu ela, louca para se livrar dele, porém não sem antes recuperar suas fotos.
O pigmeu hesitou, mas acabou entregando os envelopes contendo algumas cartas e as duas fotos. Nina conferiu as fotos, depois abriu uma das cartas e fez cara de espanto.
‑ Essa letra não é minha. Não fui eu que escrevi as cartas – disse ela, tentando parecer convincente.
‑ Mas as fotos são suas – retrucou o Pigmeu já irritando, porém a voz não tinha força para assustar nem mesmo uma criança, ao contrário da aparência que poderia fazer o mais valente dos homens sair correndo se o encontrasse  no dia das bruxas.
‑ As fotos são minhas, mas eu nem sabia que elas haviam sido retiradas do álbum. Na verdade, isso foi uma tremenda sacanagem da minha irmã mais nova. Era ela quem lhe escrevia as cartas, porém usou o meu nome e mandou as minhas fotos. Meu pai vai ficar furioso quando souber disso.
‑ E onde está a tua irmã? E Por que você veio ao meu encontro no lugar dela? – quis saber o Pigmeu desconfiado.
De repente Nina se lembrou de seu amigo no bar e sabia que podia contar com ele, então justificou:
‑ Eu não vim ao seu encontro. Na verdade, eu só fiquei sabendo de tudo isso agora e por você. Sei que foi ela porque conheço a caligrafia. E a minha irmã sabia que eu vinha me encontrar com meu namorado nesse horário, por isso, marcou com você aqui. Só que ela foi ontem para Porto Alegre com meu irmão e nem sei quando volta.
‑ Mas e agora eu vim de tão longe...
‑ Eu não posso fazer nada. E vou até te avisar, meu pai e meus irmãos vão ficar furiosos, por isso, nem tente procurá-la, porque ela só tem quinze anos. Acho melhor você ir embora – aconselhou Nina, já começando a se afastar, pois estava louca para se livrar dele e soltar a gargalhada que estava presa na garganta.
Ele ainda tentou argumentar, mas Nina respondeu que seu namorado estava esperando e apressou o passo em direção ao bar. Quando chegou foi logo abraçando seu amigo pela cintura, um homem de quase dois metros de altura.
‑ Só me abraça e não fala nada – pediu ela – Finge que é meu namorado, depois eu te explico tudo.
‑ Claro amor – brincou o amigo e abraçou-a, fingindo que nada de estranho estava acontecendo e continuou conversando com os amigos.
   O pigmeu foi até a porta do bar, deu uma olhada, depois retornou para o lugar onde estava antes da chagada das meninas. Então, assim que ele se afastou, Nina pediu ao seu amigo que as acompanhasse até o outro ponto onde pegariam o ônibus, então elas lhe contariam tudo. E foi exatamente o que elas fizeram no caminho, as gargalhadas contaram os detalhes e riram muito.


                            O príncipe virou um sapo!

   Mas, Nina nem se abalou com a decepção de ver seu príncipe virar um Pigmeu, porque toda paixão que ela sentia era por alguém que só existia na sua imaginação. Essa história rendeu muitas gargalhadas e brincadeiras entre amigos na época.  Hoje em dia não seria tão divertida, porque são fatos comuns que acontecem frequentemente com os  falados“ Amores Virtuais”.
   Neste caso, tanto a Nina quanto o Pigmeu, aprenderam uma lição Ele, com certeza, aprendeu que não se conquista o amor com mentira, pois não mandou as fotos porque tinha certeza que a moça não ficaria com ele se visse o quanto era feio.  Mas será que ele esperava que uma viagem de duzentos quilômetros o transformasse numa espécie de Deus Grego? Ou será que imaginou que ela estaria tão apaixonada pelas poesias e pelas palavras românticas que nem notaria o quanto ele era horrível? Vai saber o que se passa na cabeça de uma pessoa para fazer isso. Mas, com certeza, ele aprendeu a lição, já que as mentiras só prejudicaram a ele mesmo, porque lhe custou uma viagem de duzentos quilômetros, um dinheiro que talvez nem pudesse ter gastado, para descobrir o que já sabia; que ela não ia ficar com ele.
   Enquanto que a Nina aprendeu que não há como amar alguém que existi apenas em sua imaginação, pois para se amar uma pessoa é preciso conhecê-la, olhar nos olhos, ouvir o som da voz, sentir o calor da pele, o sabor do beijo... Acredite, ela nunca mais encomendou um namorado por correspondência, porque sabe que no caminho o príncipe acaba se perdendo e chega um sapo.